O Imposto de Transmissão de Bens Intervivos – ITBI é tributo de competência municipal e incide sobre a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (art. 156, II, da CF).
A Constituição Federal elenca algumas situações em que há a imunidade desse imposto, ou seja, ele não é cobrado quando:
Art. 156, § 2º, I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. (grifamos).
A realização de capital, ou a sua integralização, nada mais é do que transferir para a pessoa jurídica aquilo que foi planejado quando houve a subscrição de capital. Assim, se foi subscrito como capital social o montante de R$100.000,00, a integralização é a transferência desses recursos para a empresa, realizando, assim, seu capital.
Neste sentido, se ocorre a transferência de um bem imóvel para uma pessoa jurídica como forma de realização de seu capital, essa operação é considerada onerosa e enseja a geração do ITBI. No entanto, conforme estipulado no artigo acima, a Constituição dispensou o seu pagamento nesse caso, exceto quando a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Entretanto, no julgamento do Recurso Extraordinário 796.376/SC, em que se discutiu o tema 796 da repercussão geral, o STF entendeu que a imunidade tributária de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, em realização de capital, independe da atividade preponderante da empresa.
Ou seja, a atividade preponderante só será relevante para fins de pagamento do tributo nos casos de transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
Assim, ainda que a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, e proceder à integralização do capital pela incorporação de bens imóveis, não será devido o imposto.
Conforme trecho do voto vencedor do ministro Alexandre de Moraes:
É dizer, a incorporação de bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, que está na primeira parte do inciso I do § 2º, do art. 156 da CF/88, não se confunde com as figuras jurídicas societárias da incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas referidas na segunda parte do referido inciso I. Nesses últimos casos, há, da mesma forma, incorporação de bens, mas que decorre da “incorporação que é uma operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações” (art. 227 da Lei 6.404/1976 – Lei de Sociedades Anônimas); cisão – operação pela qual uma sociedade transfere parte de seu patrimônio para uma ou mais empresas (art. 229 da Lei das S.A); ou fusão – operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar uma nova sociedade que lhe sucederá em todos os direitos e obrigações (art. 228 da Lei das S.A.). Em todas essas hipóteses, há incorporação do patrimônio imobiliário de uma sociedade para outra, mas sem qualquer relação com a incorporação (integração) referida na primeira parte do citado inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF, que alude à transferência de bens para integralização do capital. Em outras palavras, a segunda oração contida no inciso I – “ nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” – revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão “nesses casos” não alcança o “outro caso” referido na primeira oração do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisões recentes, já acolheu esse entendimento, conforme ementas abaixo:
TRIBUTÁRIO. ITBI. IMÓVEL DE SÓCIO INCORPORADO PELA PESSOA JURÍDICA NO ATO DE SUA CONSTITUIÇÃO. IRRELEVANTE A ATIVIDADE PREPONDERANTE DA ADQUIRENTE DO BEM DE RAIZ, PARA FINS DE IMUNIDADE. PRECEDENTE DA SUPREMA CORTE. CONCESSÃO DE LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO PARA ESSE FIM. Reconhece-se imunidade tributária, pouco importando a atividade preponderante, quando o bem de raiz é incorporado ao patrimônio de pessoa jurídica no ato de sua constituição (art. 156, § 2º, inc. I, da Constituição Federal). (TJSP; Agravo de Instrumento 2140905-89.2021.8.26.0000; Relator (a): BOTTO MUSCARI; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 4ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 10/09/2021; Data de Registro: 10/09/2021)
AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA – IMUNIDADE – ITBI – Decisão que indeferiu a tutela antecipada que visava ao reconhecimento da imunidade quanto ao ITBI incidente sobre a operação de integralização do capital social da agravante por meio da conferência de bem imóvel – Pleito de reforma da decisão – Cabimento – Imunidade de ITBI sobre a transmissão de bens para fins de integralização de capital social de pessoa jurídica que é incondicionada, nos termos do decidido do RE nº 796.376/SC pelo STF – Inaplicabilidade da exceção à imunidade consistente na configuração de atividade preponderante da agravante de compra e venda de bens imóveis – “Fundamento relevante” verificado – Potencialidade de lançamento de vultosa exação pelo agravado e de mácula à regularidade fiscal da agravante caso não seja concedida a liminar – “Possibilidade da ineficácia da medida” também verificada – Concessão da liminar devida – Decisão reformada – AGRAVO DE INSTRUMENTO provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2042850-06.2021.8.26.0000; Relator (a): Kleber Leyser de Aquino; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 4ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 23/04/2021; Data de Registro: 23/04/2021)
De acordo com trecho abaixo do referido acórdão:
Assim, revendo entendimento anterior a fim de curvar-me ao recentemente esposado pelo Pretório Excelso, entendo que a parte final do artigo 156, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição Federal, refere-se apenas à transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, excluída a hipótese de integralização de capital social. Em outras palavras, entendo que a hipótese constitucional de não incidência da imunidade quando “a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” restringe-se aos casos de “transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica”, sendo incondicionada a imunidade nos casos de integralização de capital social.
Nesta seara, é indevida a cobrança do ITBI pelo município nos casos transferência de imóveis voltada para a integralização de capital, independente da atividade preponderante da empresa.
Fernanda da Silva Pereira de Oliveira é estagiária na Betone Lima Advogados, graduanda do curso de Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente.